domingo, 3 de maio de 2009

Jantar em Casa dos Gouvarinho


Na obra, existem vários episódios que nos remetem para a caracterização da sociedade portuguesa, sendo que estes assumem a forma de crítica e de sátira social. Através destes episódios, Eça de Queirós transporta-nos para uma sociedade onde os defeitos sociais impedem o progresso e a renovação das mentalidades e onde ninguém parece ter inteligência ou vontade suficiente para alterar esta situação. De facto, é-nos apresentada uma sociedade onde aqueles que têm o poder de ultrapassar a estagnação do país vivem na ignorância e no refúgio do luxo, fazendo pouco ou nada que possa ser considerado útil para a sociedade que os rodeia. Os defeitos supracitados são apresentados como espelho dos elementos estruturadores da acção portuguesa e da forma de compreender e de estar no mundo daqueles que integram o país.
O episódio da crónica de costumes do qual irei falar é o jantar na casa dos Gouvarinho.
O jantar em casa dos Gouvarinho é marcado pela crítica social que está presente devido ao diálogo entre personagens e, principalmente, pela atitude que estes tomam face às situações. Este jantar permite-nos observar a degradação dos valores sociais, o atraso intelectual do país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia. São-nos apresentados vários temas de conversa que são introduzidos no decorrer do diálogo que se estabelece na casa dos Gouvarinho e que Eça utilizou para radiografar a ignorância das classes dirigentes do país.
Neste episódio, é facilmente visível o atraso e a estagnação do país.
Numa conversa entre D. Maria e Carlos, Carlos afirma que tudo permanece igual.

“Creio que não há nada de novo em Lisboa, minha senhora, desde a morte do senhor D. João VI.”
(Capítulo XII, página 389,edição antiga, e página 395, na edição recente)
Esta afirmação de Carlos é um perfeito indicador da inércia da população portuguesa, que em nada contribui para a evolução social do país. Esta falta de actividade foi, talvez, um dos pontos fulcrais que Eça de Queirós tentou abordar com “Os Maias”, uma vez que toda a obra dá relevância à apatia dos habitantes.
Durante o jantar, é possível apreciar duas concepções opostas sobre a educação da mulher. Por um lado, uma mulher deve ter capacidade para falar sobre livros ou artigos de revista mais simples sem que, no entanto, tenha capacidade intelectual que lhe permita discutir abertamente assuntos de cariz literário, político ou social com um homem. Por outro lado, as melhores qualidades, e aquelas às quais se deveria dar mais relevância, são as de dona de casa, ou seja, cozinhar e ser uma boa mulher. Citando Ega:
“A mulher só devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem.”
(Capítulo XII, página 398, edição antiga, e página 404, edição recente)

Naquela época, a educação das mulheres não era considerada uma prioridade e as mulheres mais dotadas intelectualmente eram, de certa forma, temidas pelos homens como, mais uma vez, Ega afirma.

“Uma mulher com prendas, sobretudo com prendas literárias, sabendo dizer coisas sobre o sr. Thiers, ou sobre o sr. Zola, é um monstro, um fenómeno que cumpria recolher a uma companhia de cavalinhos, como se soubesse trabalhar nas argolas.”
(Capítulo XII, página 398, edição antiga, e página 404, edição recente)

O Conde de Gouvarinho afirma que as mulheres deveriam poder discutir um livro de formas a tornar a conversa interessante, mas Ega opõem-se a esta ideia.

“O dever de uma era primeiro ser bela, e depois ser estúpida…”
(Capítulo XII, página 397, edição antiga, e página 403, edição recente)

Com esta afirmação arrojada de Ega, que diminui as capacidades das mulheres e que as rebaixa intelectualmente, o Gouvarinho altera a sua opinião.
“O conde afirmou logo com exuberância que não gostava também de literatas: sim, decerto o lugar da mulher era junto do berço, não na biblioteca.”
(Capítulo XII, página 397, edição antiga, e página 403, edição recente)

Estes comentários sobre as mulheres são representativos da sociedade em que se vivia, uma vez que a educação das mulheres não era considerada prioritária e apenas os homens podia interferir na vida cívica. O papel do sexo feminino na sociedade de então era de mero espectador, não tinham opinião definida sobre nada do que as rodeava e, mesmo tendo, o que elas diziam era desvalorizado pelos homens, pois eram eles quem detinha o poder e quem tomava todas as decisões.
Eça de Queirós retrata esta realidade através do discurso entre indivíduos da alta sociedade que, em vez de tentarem alterar a posição apática deste grupo de pessoas, manifestavam o seu desagrado face a essa mudança e apoiavam resolutamente esta inactividade.
A falta de cultura dos indivíduos que são detentores de cargos que os inserem na esfera social do poder é um dos pontos mais criticados neste episódio sendo também aquele que mais se destaca sob a forma de Sousa Neto, da Instrução Pública.
Sousa Neto, que deveria ser um homem de grande inteligência e cultura, aparece-nos como um ignorante e alguém com os horizontes limitados. Quando Ega lhe pergunta se sabe o que diz Proudhon, Sousa Neto demonstra falta de conhecimento sobre este socialista utópico uma vez que, em modo de desculpa, argumenta que não se recorda “textualmente” da obra, referindo depois que “Proudhon era um autor de muita nomeada”. No entanto, perante a insistência de Ega, e quando este menciona “as grandes páginas de Proudhon sobre o amor”, sintetiza a sua ignorância pensando que está a demonstrar grande conhecimento.

“Não sabia – disse ele com um sorriso infinitamente superior – que esse filósofo tivesse escrito sobre assuntos escabrosos!”
(Capítulo XII, página 398, edição antiga, e página 404, edição recente)

Com isto, Sousa Neto demonstra não conhecer aquilo que o rodeia e Ega, aproveitando esta oportunidade para o provocar, pergunta-lhe, consternado, como poderia o amor ser considerado um assunto escabroso. Sousa Neto demonstrou um pouco de embaraço mas, para não dar parte de fraco nem de pessoa inculta, reuniu toda a sua dignidade e defendeu-se da pergunta acusadora de Ega.

“ É meu costume, sr. Ega, não entrar nunca em discussões e acatar todas as opiniões alheias, mesmo quando elas sejam absurdas…”
(Capítulo XII, página 399, edição antiga, e página 405, edição recente)

Esta afirmação de Sousa Neto é uma forma de Eça afirmar que os detentores de altos cargos na sociedade portuguesa são pessoas sem ideias próprias e cuja falta de cultura os impede de participar activamente numa discussão sobre aquilo que se passa à sua volta. Demonstra uma incapacidade latente de proferir uma opinião e de tomar decisões que promovam o avanço do país. Está, portanto, aqui presente, uma das principais causas da estagnação que se fazia sentir na altura, a incapacidade de agir dos governadores.
Outra personagem muito representativa da ignorância das classes dirigentes é o Conde de Gouvarinho. Este homem tenta criar um diálogo inteligente sobre a escravatura mas, não percebendo a ironia sarcástica por detrás das palavras proferidas por João da Ega, muda inesperadamente de assunto de forma a não ter que formular nova opinião.

“O nosso Ega quer fazer simplesmente um paradoxo e tem razão, tem realmente razão, porque os faz brilhantes…”
(Capítulo XII, página 393, edição antiga, e página 399, edição recente)

O deslumbramento pelo estrangeiro revela os horizontes limitados dos elementos dirigentes do país. O estrangeiro era-lhes apelativo, pois tudo, ou quase tudo, que conheciam se cingia à realidade Lisboeta. Por este facto, e para demonstrarem um conhecimento que, na realidade, não possuem, tentam falar de outros países como se já lá tivessem estado. É numa destas tentativas de demonstrar conhecimentos que o Conde de Gouvarinho explica à senhora de escarlate como era o país que Carlos da Maia havia visitado.

“País de grande prosperidade, a Holanda!.. Em nada inferior ao nosso… Já conheci mesmo um holandês que era excessivamente instruído…”
(Capítulo XII, página 390, edição antiga, e página 396, edição recente)

Todavia, quem sente uma maior curiosidade e fascínio pelo estrangeiro é Sousa Neto que chega até a questionar Carlos sobre Inglaterra e sobre a sua literatura.

“E diga-me outra coisa – prosseguiu o sr. Sousa Neto, com interesse, cheio de curiosidade inteligente. – Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de pulso?...”
(Capitulo XII, página 399, edição antiga, e página 405, edição recente)

Sousa Neto é, mais uma vez, a personagem alvo da crítica de Eça pois o facto de ele demonstrar tanta admiração por outros países faz com que seja visível o seu aprisionamento cultural, confinado às terras portuguesas.

Neste episódio é também bastante visível o facto de os homens que estão em posição de poder em Portugal valorizarem mais o luxo e o “chique” que, propriamente as acções em prol do espaço em que estão inseridos.
“Mas ele agora não falava tanto do talento do Barros como parlamentar, como homem de estado. Falava do seu espírito de sociedade, do seu esprit…”
(Capítulo XII, página 393, edição antiga, e página 399, edição recente)
É, assim, clara a crítica que Eça de Queirós pretende fazer neste episódio: a sociedade portuguesa está em estagnação e as pessoas de poder nos altos cargos da sociedade preferem o luxo e a diversão às actividades políticas e/ou sociais que a sua posição exige.

17 comentários:

  1. OBRIGADO!!!!!

    ha so uma coisa que odeio mais que o plagio: o realismo haha.

    nao, estou a brincar mas muito obrigado. isto ajudou.me a organizar os pensamentos e as ideias para fazer este trabalho :]

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  2. Depois de um serão de Domingo alucinado à procura dos plágios do 11º B , qual Sherlock Holmes (ai as minhas saudades do Inglês!)eternamente perseverante, comecei o dia de 2ª-feira à procura de mais "provas do crime". Onde pensava não existir qualquer pincelada dessa mui actual actividade estudantil (plágio), deparei-me com 5 páginas(!!!!!!!!!) de cópia total de um blog. Não era possível!Duas das melhores alunas da turma envolvidas neste delito!
    Fui para a aula e depois do "sermão aos peixes pupilos" sobre como fazer trabalhos de pesquisa, sou confrontada com o vendaval que dissipou a grande nuvem negra: a Rita tem um blog! Meu Deus, estou a ficar cota! Já tenho alunos com blogs e ainda ando a fazer substituições de super-cotas!
    Com redobrado interesse, fiz a viagem pelo teu blog, Rita! Reli textos que colocaste no portefólio do 2º período e o "tal" trabalho. Li com avidez muitos outros textos, repletos de qualidade, sentimento, expressividade, criatividade e primor. Continua a tua aventura pelo mundo das letras que eu vou procurar seguir com alguma regularidade.
    Muitos parabéns à minha 1ª aluna da blogosfera!

    A professora,
    Ana Viana

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  3. Isto está fantástico! Está muito claro e esclarecedor. Foi uma grande ajuda para o meu trabalho. :)

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  4. Olá Rita. Obrigada pela imensa ajuda que me deste para o trabalho que vou fazer sobre este tema. Só estás de parabéns. Beijinho, Filipa.

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  5. Olá rita. O meu nome é ana. Muito obrigada por publicares isto, foi uma grande ajuda para o meu trabalho. Admiro muito as pessoas que têm a grandeza de partilharem o que sabem e de ajudar os outros. Continua assim porque não há muitas pessoas que fariam o que fizeste. bj

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  6. Acho muito bom o que escreveste :DD Parabéns continua assim

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  7. Não sabes a ementa do jantar? De resto está óptimo, obrigada :D

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  8. É bom ler textos como este após ter lido a obra. Sintetizado mas, ao mesmo tempo, diz tudo aquilo que ao longo do excerto não fomos capazes de compreender de início. Excelente tanto para me ajudar a organizar as ideias para o trabalho, precisamente sobre o jantar em casa dos Gouvarinho, como para o ler por prazer. Adorei e é bom que continues a partilhar assim conhecimentos...tão bem escritos quanto este!! Parabéns :)

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  9. Ritinha após uma breve visita ao teu perfil, vi que temos tanto em comum :)
    O meu livro preferido para além dos que disseste é o Kamasutra da Índia... Beijinhos deste teu fã =*

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  10. Kamasutra da índia?? Não acredito.. Também é o meu livro favoritooo *-* Beijo Giovanilda

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  11. fantastico!! otima ajuda!! valeu cara!

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  12. ***** fantastico, ajudou imenso no trabalho, acho mto mais claro e completo do q noutros
    sites

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  13. Cita do texto as opiniões de Ega sobre as explorações em África e a escravatura.

    Por favor

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