terça-feira, 10 de março de 2009

Histórias

Nunca conheci a minha mãe. A avó Margarida sempre me contou que a Júnior, como as pessoas da terra dos meus avós tratavam a minha mãe, era, por natureza, uma pessoa insatisfeita. Nada estava como devia ser, e nada estava completamente bem. A minha mãe era muita boa a descobrir pequenos defeitos, quase microscópicos, em coisas insignificantes como pratos, lençóis, e até, piaçabas. A minha avó contou-me, muito entusiasticamente, devo dizer, que houve uma vez, na época em que o tio António tinha acabado de casar e os meus avós andavam à procura de uma novo lar, mais pequeno, visto que o agregado familiar estava a diminuir, em que a Júnior e os seus pais foram ver várias casas. Para a avó Margarida, todas as casas eram perfeitas, cada uma mais bonita que a outra. Para o avô, bem, para o avô eram todas iguais: paredes, janelas e portas. Para a minha mãe, a história era bastante diferente. Se não era a porta que rangia quando abria e fechava, eram os azulejos da cozinha que não estavam completamente limpos, ou então, a torneira que tinha alguma ferrugem. Viram vários apartamentos, casas com jardim, casas sem jardim, até que, quase por milagre, os meus avós descobriram uma coisa que correspondia a todas as expectativas da minha mãe: portas como deve ser, azulejos como deve ser, torneiras como deve ser. Para o avô, era apenas mais uma casa com paredes, portas e janelas. E foi então que a avó Margarida começou a sorrir enquanto nos contava, a mim e ao meu irmão Jaime, o que se tinha passado nessa tarde.
- Mãe, se tu e o pai tiverem gostado, acho que é esta é a casa. A perfeita. Pai? –
O avô acenou com a cabeça, lançou um sorriso tímido à Júnior, e, rapidamente, lançou-se de novo na contagem das nuvens que se podiam observar no céu daquela tarde.
- Mãe? –
Sorriu. Enquanto olhava para a sua filha, podia ver-se que a avó Margarida estava divertida. Imagino que a minha mãe não estivesse a achar piada àquela situação. E muito sinceramente, penso mesmo que não a estava a entender muito bem. A avó sempre fora muito enigmática. Um quebra-cabeças que, com vontade e paciência, era maravilhoso tentar resolver.
- Bem, acho que estás enganada. Acho que esta não é casa. Se reparares bem, aí atrás de ti, sim, mesmo atrás de ti, está uma pequena rachadela na parede. Minúscula, mas mesmo assim, uma rachadela. E ali, Margarida, à beira do pai, aquela janela, ora repara bem. Vês a persiana? Se observares com atenção, vês ali um pequeno buraco que, apesar de parecer insignificante agora, pode tornar-se um complicado problema. -
O avô mostrou os seus dentes brancos, na altura. Fora esta uma das razões que o tinha levado a, vinte e cinco anos antes, ter-se casado com a avó Margarida. Desde esse dia, a minha mãe parecia contentar-se mais facilmente, segundo a avó. É claro que uma pessoa não muda de um dia para o outro, e a vontade de tentar melhorar as coisas persistiu.

Sem comentários:

Enviar um comentário